Neurodivergência e Metodologias Ativas na Educação

Descubra como a neurodivergência e as metodologias ativas podem transformar a escola em um espaço de acolhimento, escuta e desenvolvimento, promovendo um ambiente inclusivo e enriquecedor para todos os alunos.

NEURODIVERGÊNCIA E EDUCAÇÃO DO SER

Helena Marcondes

5/22/20256 min read

“Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser opressor.”
(Paulo Freire)

Vivemos um tempo em que as palavras "adaptação", "inclusão", "acolhimento" enchem os discursos, os documentos pedagógicos e os planejamentos escolares. Mas será que, na prática, a escola realmente está pronta para escutar, acolher e respeitar a singularidade de cada sujeito? Será que ela consegue, de fato, compreender o que significa neurodivergência sem transformar isso em mais um rótulo ou numa sentença de inadequação?

É sobre isso que precisamos falar. E precisamos falar com urgência, com coragem e, sobretudo, com amor.

O que é ser neurodivergente?

Ser neurodivergente não é estar doente, não é ser menos, não é ser incapaz. A neurodivergência é apenas uma das infinitas expressões da mente humana. É um termo que rompe com a visão patologizante da diferença e passa a enxergar os diferentes funcionamentos neurológicos como variações naturais da diversidade humana.

Pessoas com TDAH, TEA (autismo), dislexia, discalculia, superdotação, altas habilidades, disortografia, entre outras condições, não são “problemáticas”. Elas apenas experimentam o mundo e processam informações de maneiras distintas daquilo que a sociedade e, especialmente, a escola tradicional, convencionaram como “normal”.

Essa é a primeira ruptura que precisamos fazer: deixar de olhar a neurodivergência como déficit e passar a enxergá-la como potencialidade.

Jung e o mapa da alma: a singularidade como caminho

Carl Gustav Jung nos trouxe uma compreensão profunda sobre a psique: cada ser humano é único, um universo particular de símbolos, imagens, arquétipos e experiências. Somos sistemas vivos de complexidade, onde luz e sombra, razão e emoção, consciente e inconsciente, caminham lado a lado.

Quando a escola ignora essa dinâmica e tenta encaixar corpos, mentes e almas em caixinhas metodológicas, ela não apenas fracassa, ela adoece seus sujeitos. E é exatamente isso que temos visto: uma geração inteira pedindo socorro, com índices crescentes de ansiedade, depressão, evasão escolar, crises de autoestima e sentido.

O sistema educacional, na maioria das vezes, não falha porque não ensina matemática ou português. Ele falha porque não ensina o próprio aluno a se perceber, a se entender, a se escutar, a se amar no seu modo único de ser e aprender.

Paulo Freire e a pedagogia da escuta ativa

Paulo Freire nos ensinou que a educação precisa ser um diálogo. Mas atenção: não é um monólogo disfarçado de pergunta, não é uma avaliação disfarçada de conversa. É diálogo real, onde o educador se coloca na posição de quem aprende, e o aluno na posição de quem também ensina.

Freire não falava de “ensinar conteúdos”. Ele falava de ensinar pessoas a lerem o mundo, a lerem a si mesmas. E aqui mora a ponte com a neurodivergência: quando eu leio a mim mesmo, quando eu entendo como eu funciono, eu passo a me mover no mundo com mais autonomia, com mais autenticidade e com mais potência.

Portanto, falar de metodologias ativas, hoje, é falar da própria essência da pedagogia freiriana. É reconhecer que não há como alfabetizar, ensinar, desenvolver, sem antes escutar.

A falência do modelo tradicional: a sala homogênea que nunca existiu

Por muito tempo, a escola operou (e ainda opera) baseada num ideal de “aluno padrão”. Um aluno que senta, copia, escuta passivamente, responde quando é perguntado, memoriza, reproduz e, de preferência, não questiona.

Mas esse aluno nunca existiu. Nem na Era Industrial, nem na contemporaneidade. Sempre tivemos diferenças, subjetividades, modos distintos de pensar, de sentir, de criar. A diferença é que hoje essas subjetividades começaram a dizer: “eu existo, eu não aceito mais me anular para caber em um molde.”

A neurodivergência não cresceu. O que cresceu foi a coragem de se reconhecer, de se nomear, de reivindicar espaço, voz e respeito.

Metodologias ativas: quando o aluno vira protagonista da própria aprendizagem

Se a neurodivergência nos pede um novo olhar, as metodologias ativas nos oferecem um caminho. Elas partem do princípio de que ninguém aprende de verdade de forma passiva. Que aprender é, antes de tudo, um ato de construção, de interação, de autoria.

Entre as metodologias ativas, podemos citar:

  • Aprendizagem baseada em projetos;

  • Sala de aula invertida;

  • Gamificação;

  • Aprendizagem por pares;

  • Design thinking educacional;

  • Rodas de conversa;

  • Investigação científica na prática.

Essas metodologias não são “modinhas”. Elas são a resposta urgente de um sistema que, se não mudar, continuará gerando evasão, sofrimento psíquico, fracasso escolar e desmotivação crônica.

Quando um aluno neurodivergente encontra um espaço que acolhe sua forma de aprender, sua criatividade floresce, sua autoestima se fortalece, sua segurança emocional cresce — e o que antes parecia uma “dificuldade” se revela, muitas vezes, como um dom.

A dor não precisa de cela, precisa de cuidado

Essa frase, que carregamos como um manifesto no Vozes da Escola, não surgiu por acaso. Ela nasceu do olhar atento às crianças e adolescentes que, dia após dia, chegam até nós carregando não só mochilas, mas também dores invisíveis.

São dores que não cabem nas fichas de avaliação, nem nas rubricas escolares. Dores que se manifestam em silêncio, no olhar perdido, na agitação constante, na explosão de sentimentos, ou no aparente desinteresse pela escola — que, na verdade, é apenas o reflexo de uma escola que, muitas vezes, se mostra desinteressada por quem esse sujeito é de fato.

O que a neurociência nos diz?

A neurociência vem, nos últimos anos, comprovando aquilo que Paulo Freire e Jung já intuíram há décadas: ninguém aprende sob ameaça, ninguém se desenvolve num ambiente que provoca medo, insegurança e constrangimento.

O cérebro aprende quando se sente seguro, quando se sente amado, quando está em estado de curiosidade, não em estado de alerta.

A plasticidade cerebral nos mostra que cérebros neurodivergentes não são cérebros defeituosos — são cérebros que processam, conectam e organizam informações de formas diferentes. E que, quando respeitados, podem gerar soluções criativas, raciocínios inovadores e perspectivas únicas.

O papel do educador no século XXI: mais terapeuta da alma do que transmissor de conteúdos

O educador do presente e do futuro precisa, antes de tudo, ser alguém que escuta. Escuta além das palavras. Escuta o gesto, o silêncio, o movimento, o olhar.

E aqui não estamos falando de romantizar a educação. Estamos falando de devolver à educação aquilo que lhe foi sequestrado por séculos: sua missão de formar sujeitos livres, autênticos, conscientes e saudáveis — emocional, psíquica, social e espiritualmente.

Vozes da Escola: quando a educação vira ponte e não muro

O projeto Vozes da Escola nasceu desse chamado. Ele não é um projeto de reforço escolar, nem de apoio pontual. É um projeto que olha para o ser, não para o desempenho.

Aqui, trabalhamos com rodas de conversa, oficinas artísticas, escrita terapêutica, espaços de expressão, projetos coletivos e dinâmicas que resgatam algo que a escola tradicional esqueceu: que antes de aprender gramática, a criança precisa aprender a nomear seus sentimentos. Antes de resolver equações, ela precisa resolver os nós que a sufocam internamente.

Aqui, cada olho é um universo. Cada palavra é semente. Cada silêncio é território fértil de escuta.

Conclusão: Educação como caminho de cura coletiva

Educar, hoje, é um ato revolucionário. É, talvez, uma das maiores formas de resistência contra um mundo que insiste em transformar gente em número, subjetividade em métrica, e existência em produtividade.

A neurodivergência nos convida a derrubar os muros do “normal”. E as metodologias ativas nos oferecem ferramentas práticas para construir, no lugar desses muros, pontes. Pontes que levam ao autoconhecimento, à autonomia, à criatividade e ao florescimento do ser.

“Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses.” — dizia o oráculo de Delfos.

Paulo Freire, se estivesse entre nós hoje, talvez diria:
“Educa-te a ti mesmo e ajudarás o mundo a se libertar.”

E Jung completaria:
“Aquilo que você não traz à consciência, se manifesta na sua vida como destino.”

Que possamos, então, construir uma educação que ajude nossas crianças e adolescentes — neurodivergentes ou não — a entenderem quem são, como funcionam, e como podem ser protagonistas das suas próprias histórias.

Se você também sente esse chamado, te convido a conhecer o Vozes da Escola. Aqui, a educação tem rosto, tem voz, tem alma.